O sol brilhava muito naquela tarde sufocante de verão. A leve brisa que tocava sua pele mal balançava seus negros cabelos, esquecidos sobre seu ombro esquerdo. Não havia sinal de chuva e isso tornava o clima pesado, assim como o coração da menina. Se ao menos tivesse uma promessa de chuva, mas sequer isso ela tinha. Sentada sob a árvore, observava como a brisa impulsionava as folhas, fazendo-as mover num ritmo lento e despreocupado. Ela podia ouvir o toque do vento nas folhas, que se agitavam e rompiam o silêncio que se instaurara desde que ela havia parado de pensar. Suas pálpebras, agora pesadas e hesitantes, escondiam aos poucos seus doces olhos castanhos. Sua cabeça já não a obedecia e pendeu sobre o ombro direito. E a menina adormeceu.
“Como eu posso parar esses pensamentos?”, pensava a menina alguns dias antes. Seus pensamentos haviam se transformado num instrumento de tortura. E ela não queria mais sofrer. Decidira, então, que não pensaria mais. “Não será fácil, eu sei”. Sim, ela sabia. Tinha consciência de que estava prestes a entrar em um conflito do qual sairia machucada. Mas as cicatrizes que ela trazia na alma doíam bem mais, embora o tempo já houvesse sarado as feridas. Conflito algum poderia lhe atingir mais do que já fora. Respirou fundo, como numa tentativa de convencer a si mesma de que era forte, e não pensou mais.
Mas seria possível não pensar? Mesmo quando pensamos em não pensar, estamos pensando. Confuso, não? Era assim que a menina estava. Tão confusa quanto seus pensamentos, quanto sua história. Mas aquela menina, que agora estava absorta em um sono leve e inebriante e que parecia ser tão frágil ao ponto de ser chamada assim, “menina”, era mais forte do que ela mesma poderia supor. Sim. Ela havia conseguido se livrar daqueles pensamentos que tanto a perturbavam, que tanto a maltratavam, que tanto a sufocavam à medida que invadiam sua mente. De onde ela havia tirado aquele escudo não sabia. Mas ele havia protegido a menina daquelas ameaças de loucura, daquelas lembranças que inundavam seus olhos de lágrimas, daquele devaneio do qual ela sentia medo. Ela sentia medo de seus pensamentos. Como pode alguém sentir medo dos próprios pensamentos? A menina sentia. E não queria mais sentir. A menina, que talvez não fosse tão menina assim, fora obrigada a crescer, mas conservava em si os mesmos sonhos, os mesmos medos, as mesmas fantasias, os mesmos desejos de quando era menina. Sim. Ela concluiu que poderia ser chamada assim. Menina.
Do alto da árvore, uma folha, incomodada com a oscilação dos galhos, desprendeu-se. Na queda, teve seu rumo alterado pelo vento e tocou o braço da menina, desfalecido sobre suas pernas. Suas pálpebras, ainda extasiadas pelo sono, abriram-se devagar e revelaram um olhar perdido nos limites do tempo e do espaço. E então a menina despertou. Emergiu de um breve mergulho em um mar de calmaria. E suspirou. Estava feliz por não pensar mais. Sentia-se bem por não ser mais golpeada pelas lembranças. Levou a mão até a cabeça e livrou seu rosto dos fios de cabelo que lhe faziam cócegas. Sentiu as batidas de seu coração mais amenas. Sentiu seu coração mais afável. E sorriu. O sorriso mais leve e sincero que já se desenhara em sua boca. Um sorriso doce. Um sorriso leve. Um sorriso meigo. Um sorriso frágil. Embora fosse ainda um sorriso triste.
Um sorriso paradoxal.