quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Silêncios


Espero que você entenda o que eu quis dizer com todas as palavras que calei.

Uso o silêncio como fuga porque vivo cercada por palavras e me cansei de ser presa pelo som da sua voz. Decidi me libertar. Minhas palavras não serão mais suas porque as suas palavras nunca foram minhas.

Falei em vão. Ficarei em silêncio, então. A falta de palavras é nada para quem já vive cheia de ausências. Farei desse silêncio o meu refúgio porque já não caibo na imensidão de tudo aquilo que não disse. Preciso me esvaziar de tanto vazio.

Mas eu escrevo. Escrevo para fugir de mim. Escrevo para não sufocar. Escrevo para aliviar os excessos que trago em toda essa ausência. Escrevo para tirar de mim todas essas palavras guardadas que agora ecoam no meu silêncio. E só.

E as palavras ecoam e escoam e se perdem no vazio deixado pela sua voz.

O problema é que as palavras não ditas também magoam. 
Mas eu já me acostumei a trocar silêncios com você.  

domingo, 16 de setembro de 2012

Olhos negros de setembro



Hoje foi a última vez que vi seus olhos. E isso é estranho, porque ainda me lembro da primeira vez que me perdi neles e desejei que se eternizassem no meu olhar. Mas ontem, quando me abraçou, busquei em seus olhos negros encontrar o brilho dos meus. Não encontrei. Fiquei perdida no vazio do seu olhar. Um olhar que fez estremecer até minha alma. Tive a impressão de que estava se afastando de mim.  E você desviou o olhar do meu. Foi então que suas palavras me atingiram com um golpe que me levou ao chão. Fiquei sentada enquanto elas ecoavam no silêncio do seu olhar fixo em algum lugar distante de mim. “Nada mais é eterno. O amor, a amizade. Adeus”.  E isso doeu.

É uma tarde sufocante de setembro. Sufocada pelo calor e eu sendo sufocada pelas palavras que não pude dizer. Antes de partir, perguntei se por acaso se lembrava de setembro. “No meio de setembro, nós ainda brincávamos na chuva...”, ele disse. Sim, ele se lembrava de nossa infância. O amor, a amizade. Fechei os olhos e as lágrimas se encarregaram de lavar todas as lembranças. O eterno se perdeu quando me perdi do seu olhar. Acho que o eterno se desfez em lágrimas. 

Fiquei encostada na porta enquanto suspirava ao vê-lo se afastar. Sentei e abracei-me. Confesso que não entendi o porquê de seu afastamento, mas deixei que fosse. Perdi meu lugar seguro. Você levou a minha paz. E deixou a saudade. Você levou mais do que deixou e isso não é justo.

Mas, tudo bem. Pode ir. Vá e me deixe aqui com o tempo. Eu só preciso me acostumar com a sua ausência. Eu só preciso aceitar que o eterno já não existe para nós. Preciso entender que já não existe nós. Vou guardar as lembranças de tudo o que foi e de tudo o que poderia ter sido. Vou ficar com a saudade do que vivemos e de tudo o que nunca aconteceu. E não, não olhe para trás. Não me olhe com esses olhos em que me vi durante tanto tempo. As esperanças não são boa companhia para a saudade.

Agora vejo, cada vez mais longe, o menino dos olhos negros. Agora sinto, cada vez mais dentro, o vazio que deixou. Agora ouço, cada vez mais sussurrada, a voz que dizia que me amava. Agora, já não sei de nada. Agora, já não sou.

Mas voltarei a ser. Vou me encontrar de novo. Dessa vez, no meu próprio olhar.

E o eterno se perdeu no meio de setembro. 


*Este "adeus" pertence a Laís Oliveira (@LaisOpS). Ela me emprestou a história, que também é um pouco minha, para que eu lhe desse as palavras. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

De chuva e de pranto


Exatos sessenta e dois dias sem chuva: ela riscara e contara em seu calendário. Não suportava mais tanta sequidão. Do clima e das pessoas. Aquela tarde úmida de setembro estava carregada demais e ela já sabia: finalmente poderia lavar sua alma com a chuva. Desde cedo o céu se preparava para o mais sublime dos fenômenos. O sol tímido assistia a todo o ensaio por detrás das nuvens. Ela observava o dia com uma agonia indescritível. Via-se de longe que ela precisava de uma renovação. O ar pesado e úmido enchia-lhe os pulmões e a fazia cansar. Respirar se tornava algo cada vez mais difícil. Não só por causa do clima. E a menina podia sentir que a tempestade se aproximava.

Sentada na janela do seu quarto, ouviu as primeiras gotas de chuva tocarem o telhado, compondo uma sinfonia que somente ela podia escutar. Durante um tempo, dedicou-se apenas a ouvir aquele som que há muito não embalava seus momentos de calmaria. Fechou os olhos e respirou fundo. Tentou buscar dentro de si tudo aquilo que precisava ser renovado. Queria expor-se às gotas que caíam num ritmo cada vez mais acelerado. Estendeu a mão e as alcançou. Sentiu molhar os dedos, a mão. Arrepiou-se quando uma gota sorrateiramente escorreu-lhe pelo braço. E sorriu.

Abriu os olhos e percebeu que não havia conseguido entregar sua alma à purificação trazida pelas gotas do céu. Havia algo de errado. Isso sempre funcionara... Não entendia por que não era capaz de se libertar, de deixar fluir para o chão todas as coisas ruins que trazia dentro de si. Queria entender por que a água, dessa vez, não a lavava por dentro também. Sentia-se presa em um sentimento ruim. Tinha pensamentos estranhos e queria que a chuva os carregasse para a terra e os enterrasse para que ela pudesse ter paz. Precisava se livrar daquilo que a sufocava. Mas não conseguia. A água estava fria. Ela estava fria. E o sorriso se desfez.

Houve um tempo em que a chuva lavava tudo, por dentro e por fora. Houve um tempo em que o toque frio fazia arrepiar seu corpo quente. Houve um tempo em que o sorriso não se perdia em seus lábios. Houve um tempo em que dias chuvosos lhe traziam alegria, e não ainda mais pesar. Houve um tempo em que ela conseguia se expor à libertação trazida pela chuva. Houve um tempo em que ela não chorava como faz o céu em dias escuros. Houve um tempo em que ela não se sentia sempre tão presa, sempre tão incompleta, sempre tão fria, sempre tão... vazia. Houve um tempo em que as tardes cinzas lhe traziam paz. Em que ela se sentia em paz. Mas há tempo que ela perdeu tudo. Há um tempo que ela perdeu a sua paz. Há tempo que ela se perdera no tempo perdido dentro de si. Eram tantas perdas que ela tinha dúvidas sobre seu reencontro consigo mesma. 

De repente, o dia se pintou de cinza e a tarde se fez noite.

Os relâmpagos riscavam de laranja a negridão do céu. Os trovões ecoavam nos pensamentos vazios da menina. A chuva continuava a descer compassada e melodicamente. A escuridão dominava o cenário daquele drama de um dia sombrio. Com um impulso, desceu da janela e permaneceu imóvel sob a imensidão do céu. 

E a menina se encharcou de chuva e de pranto.