segunda-feira, 29 de julho de 2013

No espelho

Vi pelo espelho do canto do meu quarto quando você foi embora. Não tive coragem de te olhar de frente. Você me deu as costas também, lembra? Doeu ver você se virando e saindo pela porta da frente e deixando para trás nossos planos, nossos sonhos, eu.

Eu vi pelo espelho quando você se afastou de mim. Por um momento, vi o seu rosto junto ao meu novamente. Lembra de quando eu me olhava no espelho e você se aproximava e me abraçava e me dizia o quanto eu estava linda e como nossos olhos sorriam e como nossos lábios se tocavam e do quanto nos amávamos? Mas, dessa vez, apesar de nossos rostos estarem dividindo o mesmo espelho, você estava distante de mim. Você tinha olhos de adeus, meus olhos eram de saudade. Seus lábios não foram capazes de dizer o que eu tanto queria ouvir. Nosso amor emudeceu e agora a saudade fala mais alto.  O seu “adeus” ainda ecoa na casa meio vazia, o seu silêncio ainda ecoa nos meus ouvidos, você ainda ecoa dentro de mim. Você foi embora, mas nunca saiu daqui. 

Você disse adeus como se os seus lábios nunca tivessem ficado presos nos meus. 
Você me olhou como se nossos olhos nunca tivessem ficado presos no mesmo olhar. 
Você se afastou como se nossos corpos nunca tivessem ficado presos no mesmo suor. 
Você me deixou como se nunca tivesse desejado ficar comigo.

Vi, mesmo sem olhar, você indo embora. Senti, mesmo sem tocar, seu rosto pela última vez.  Disse, mesmo sem falar, “adeus”.

Encostei-me na parede quando você fechou a porta, não suportei tanto pesar. Olhei-me de perto no espelho e uma lágrima tocou sua superfície, aprisionando nele as lembranças de nós dois. 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Sonho

Sabe, eu poderia acordar antes de você só para te ver despertar abrindo os olhos devagar e bocejar despreocupadamente, todas as manhãs. Queria poder aproximar você de mim e acarinhar o seu rosto para desejar que o seu dia fosse tão lindo quanto o seu sorriso ao acordar. Seu sorriso combinaria muito bem com a primeira réstia que entra pela janela do meu quarto sem cortina. Acho até que o seu sorriso iluminaria muito mais do que os raios de sol. Você seria a minha aurora.

Sabe, eu poderia passar horas e horas apenas te olhando. Gosto da ideia de me deitar ao seu lado na cama, apoiar meu queixo com as mãos e te olhar como se isso pudesse mantê-lo sempre ao alcance dos meus olhos. Eu retrataria o seu rosto como se fosse um pôr-do-sol que meus olhos não cansam de admirar. Você seria o meu entardecer.

Sabe, eu poderia passar a mão nos seus cabelos até você adormecer, todas as noites. Penso que deitar você no meu colo, bagunçar os seus cabelos sempre já tão bagunçados e observar seus olhos se fechando devagar seria minha nova definição de paz. Eu não dormiria só para poder te ver por mais tempo. Você seria a minha insônia.

Sabe, eu poderia fazer de todos esses momentos nossas pequenas eternidades. Eu poderia transformar você em uma fotografia. Poderia te guardar na letra de uma canção. Poderia te ver em todos os lugares para onde eu olhasse. Eu queria poder te prender no meu olhar, na minh'alma.

Mas, sabe, eu não posso.

Porque eu sonho todas as noites com alguém que eu nem sequer conheço e acordo todas as manhãs procurando por alguém que não existe. 

sábado, 20 de julho de 2013

Perdida

De repente, eu me vi aqui nesse lugar, sozinha. Não sei como cheguei nem como vou sair. Estou perdida. É um lugar triste, vazio, estranho, sombrio. Um lugar abandonado, esquecido, perdido. Não vejo saída alguma, socorro, eu não consigo me encontrar aqui! Há retratos antigos meus pendurados nas paredes, mas nenhum deles se parece comigo, nenhum deles mostra como eu realmente sou. Essa que vejo não sou eu. Por que eu não me veem como realmente sou? Será que mais alguém pode ver isso que eu vejo, a verdade? Será que alguém consegue entender que eu não sou assim como nessas fotografias tão antigas e tão cheias de truques que escondem tantas imperfeições? Deus do céu, será que alguém pode me ajudar a entender o que está acontecendo aqui? Eu ouço vozes que dizem que esse lugar é alegre, cheio, lindo, iluminado. Estão loucas! Elas dizem que sim, que há muita luz e muita beleza aqui, mas — Deus do céu! — elas sabem o que dizem? As pessoas estão lá fora, como podem dizer que esse lugar é lindo? Talvez a fachada seja bonita. As paredes são pintadas, eu vi. Parecem que tentam esconder algo feio, disfarçam imperfeições, impedem de ver a verdade. É tudo fachada, não acreditem no que os seus olhos veem. Ouçam: esse é o pior lugar em que já estive. Acho que estou presa, é tudo tão confuso aqui dentro, não entendo coisa alguma, não sei o que sentir, não sei o que pensar, não sei o que fazer, socorro. Acho que vou enlouquecer.

Não aguento mais ficar presa aqui dentro. De mim.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Das cartas envelhecidas

Tijuana, Baja California, 30 de maio de 1989.

Olá.
Finalmente, posso lhe escrever sem que as lágrimas caiam de meu rosto e borrem a tinta no papel a cada palavra que sai da ponta desta caneta que tão tremidamente se prende à minha mão.
Eu quis escrever antes, acredite. Mas eu não pude, entenda. Doía demais pensar em você, lembrar de nós. Foi preciso desatar os laços, nos desfazer. Eu desfiz nós e isso me doeu. Doeu em você também? Ainda dói um pouco, confesso. Mas acho que eu já me acostumei a essa dor, sabe? Ou a dor se acostumou comigo e agora não me faz mais chorar, não sei. Acho que a dor me amorteceu um pouco. Às vezes, parecia que haviam me arrancado o coração e, mesmo assim, eu continuei vivendo. Foram dias estranhos, dias parecidos comigo. Tenho a sensação de que não dormi durante todos esses meses. Mas, mesmo assim, eu acordei.
Hoje eu acordei e vi o sol dessa manhã não-mais-tão cinza de primavera. As estações do ano são muito estranhas aqui, sabe. Demorei a me habituar a esse clima, sobretudo a toda essa mudança. Eu gostava mais do mês de maio quando era outono. Aqui é tudo ao contrário, às vezes fico meio perdida. Sobretudo ao cair da tarde ou nos dias chuvosos. Mas a gente se acostuma, né? A gente precisa se acostumar com as horas que passam, com os dias que se arrastam, com as estações que mudam, com as chuvas que não caem, com o tempo que é sempre tão paradoxal. No fim, a gente acaba se acostumando com as ausências, também. A vida é, na verdade, um eterno acostumar-se.
De uns dias para cá, eu tenho sentido menos. Hoje, de novo, acordei te amando menos e me amando mais. A dor que havia me amortecido está passando aos poucos, estou voltando a me sentir. Somos velhas conhecidas, a dor e eu. Talvez seja por isso que eu consigo lidar com ela.
Primeiro, eu senti muito. Depois, eu senti falta. Agora, eu sinto mais nada.
Se você me perguntar como eu estou, sinceramente eu não saberei dizer se estou bem ou mal. É bem provável que eu diga apenas que as coisas estão indo. Porque é isso que as coisas fazem na vida, elas vão. Elas precisam ir. Eu estou indo, também.
Espero que você sinta a minha falta tanto quanto eu não sinto a sua.
Cuide-se sempre.

Alguém.