sexta-feira, 5 de julho de 2013

Das cartas envelhecidas

Tijuana, Baja California, 30 de maio de 1989.

Olá.
Finalmente, posso lhe escrever sem que as lágrimas caiam de meu rosto e borrem a tinta no papel a cada palavra que sai da ponta desta caneta que tão tremidamente se prende à minha mão.
Eu quis escrever antes, acredite. Mas eu não pude, entenda. Doía demais pensar em você, lembrar de nós. Foi preciso desatar os laços, nos desfazer. Eu desfiz nós e isso me doeu. Doeu em você também? Ainda dói um pouco, confesso. Mas acho que eu já me acostumei a essa dor, sabe? Ou a dor se acostumou comigo e agora não me faz mais chorar, não sei. Acho que a dor me amorteceu um pouco. Às vezes, parecia que haviam me arrancado o coração e, mesmo assim, eu continuei vivendo. Foram dias estranhos, dias parecidos comigo. Tenho a sensação de que não dormi durante todos esses meses. Mas, mesmo assim, eu acordei.
Hoje eu acordei e vi o sol dessa manhã não-mais-tão cinza de primavera. As estações do ano são muito estranhas aqui, sabe. Demorei a me habituar a esse clima, sobretudo a toda essa mudança. Eu gostava mais do mês de maio quando era outono. Aqui é tudo ao contrário, às vezes fico meio perdida. Sobretudo ao cair da tarde ou nos dias chuvosos. Mas a gente se acostuma, né? A gente precisa se acostumar com as horas que passam, com os dias que se arrastam, com as estações que mudam, com as chuvas que não caem, com o tempo que é sempre tão paradoxal. No fim, a gente acaba se acostumando com as ausências, também. A vida é, na verdade, um eterno acostumar-se.
De uns dias para cá, eu tenho sentido menos. Hoje, de novo, acordei te amando menos e me amando mais. A dor que havia me amortecido está passando aos poucos, estou voltando a me sentir. Somos velhas conhecidas, a dor e eu. Talvez seja por isso que eu consigo lidar com ela.
Primeiro, eu senti muito. Depois, eu senti falta. Agora, eu sinto mais nada.
Se você me perguntar como eu estou, sinceramente eu não saberei dizer se estou bem ou mal. É bem provável que eu diga apenas que as coisas estão indo. Porque é isso que as coisas fazem na vida, elas vão. Elas precisam ir. Eu estou indo, também.
Espero que você sinta a minha falta tanto quanto eu não sinto a sua.
Cuide-se sempre.

Alguém. 

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