quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tempestade e calmaria


Um pensamento perdido encontra caminhos que se cruzam com lembranças. 
E tudo se entristece. Uma tristeza feita de memórias.

Minha tristeza é refúgio. Nela me escondo. Com ela me protejo. 
Mas é um lugar frio, sombrio, assustador. Assusta, a dor. 
E minha tristeza é só minha.

Minha tristeza é tempestade e calmaria.
A sombra e a calma.
                              Assombra e acalma.
                                                           Há sombra, mas há calma. 

O sentimento que me assombra é o mesmo que me acalma.  

Tenho medo do silêncio. É um silêncio ensurdecedor. E a solidão grita a dor. 
Ensurdece, solidão. Ensurdece, dor. 

Tenho medo do silêncio que ecoa dentro de mim.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Cheiro de café


Oi. Entre, por favor. Sente-se e sinta-se à vontade. Conhece bem este lugar. Confesso que sua presença aqui novamente me deixa meio confusa. E constrangida. Afinal, quando saiu, sequer fechou a porta. Pensei até que fosse voltar... Ah, por favor, não repare na bagunça. Ainda estou organizando tudo desde que você partiu. É difícil arrumar todos esses pensamentos espalhados pelo chão, esses abraços pendurados nos cabides, essas palavras esquecidas sobre a mesa de canto e essas lembranças na gaveta. Tudo isso lhe pertence. Ou pertenceu, um dia. Você deveria ter levado consigo naquela tarde de verão em que virou as costas e disse “até logo”. Saiu e deixou a porta aberta. E não voltou. Agora isso tudo não passa de bagunça. Espere, vou buscar mais algumas coisas que guardei no meu quarto. Um momento, por favor. Aceita um café? Sim, é aquele café de sempre. Você gostava, lembra? Eu sei que você adora este cheiro. Eu também. Porque ele me lembra você. Ah, sim, as coisas. Um instante, já volto.

...

Veja só o que encontrei... Ué, onde está você? Nem vi você sair. Ah, a porta aberta... Outra vez. Essas suas visitas repentinas não me deixam organizar a bagunça que deixou em minha vida. Pelo menos você levou alguns pensamentos. Mas deixou as lembranças na gaveta. E essas são as que mais me doem. Depois eu termino de arrumar tudo. Por enquanto, a gaveta ficará trancada. E a porta, também. É melhor assim.

E sequer tomou o café. O cheiro está bom. O cheiro...

Acho que a saudade tem cheiro de café.


Notas: 
- Texto escrito ao som de "Açúcar ou adoçante", de Cícero. 
- "Lembranças na gaveta" faz referência ao blog da minha querida Alessandra Rocha, http://lelejt.blogspot.com.br/.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Cura


O brilho em teu olhar não me engana. São lágrimas. Sentes uma dor tão pungente como se estivessem apertando teu coração. Como se estivessem atingindo tua alma. Parece que vai lhe faltar o fôlego. Sentes sufocar com teu choro contido. Padeces de dor embora não a demonstres. Eu sei que dói. Uma dor  aguda. Tu gritas em silêncio. E fazes ecoar teu silêncio pela imensidão de tua alma. E tudo dói em ti. Uma dor incurável. Escondes-te sob um sorriso pintado em teu rosto. Uma máscara. Usas teu sorriso como um disfarce. Mas, dentro de ti, no fundo de tua alma, choras. Um pranto dolorido. Eu sei que teu desejo é não chorar, eu sei. Se não assim, como aliviar tua angústia? Ah, pequena... Quando vais parar de chorar? Quando aprenderás a ser forte, menina? Quando deixarás as sombras e voltarás a caminhar sob a luz do sol? Quando preencherás esse vazio em tua alma? Chora. Chora e deixa que o pranto lave tua alma. Deixa que o silêncio se faça som. Deixa que teu coração se aqueça. Preenche-te de luz outra vez. E irradia essa luz com teu olhar. Transforma o brilho das lágrimas em brilho de luz. Seja forte, menina. E cura teu pesar. Cura tuas feridas. Salva teus sentimentos desse abismo que se abriu em ti. Salva-te de ti. E por mais que doa ou aflija, seja forte.

— Como posso ser forte se padeço todos os dias de uma dor que ninguém pode curar? 

Tu podes, menina. Somente tu. E verás que tua dor te deixará mais forte.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Adormece, menina, adormece


O silêncio que se instaurara nela era perturbador. Ninguém sabia ao certo como ela se sentia. Ela não sabia como se sentia. Era tudo tão estranho. Ela estava fria. Por dentro e por fora. Seus sentimentos... Que sentimentos? Ela não conseguia gostar. Ela não sabia ao certo o que sentia. Mas sabia que aquilo não era bom. Logo ela, que sempre se apegava tão facilmente às pessoas... Como pôde ficar assim, tão insensível?

Pobre menina. Pobre de seu coração. Talvez fosse melhor assim, aquietá-lo, preservá-lo, impermeabilizá-lo. Deixá-lo insensível à insensibilidade de algumas pessoas. Pelo menos por enquanto. Por enquanto, quanto? Por enquanto... 

­— Menina, minha menina. Senta-te. Mais perto. Quero olhar em teus olhos. Sentes dor, eu sei. Machucaram teu coração. Feriram teus sentimentos. Atingiram tua alma. Sentes dor, eu sei. Uma dor pungente. Mas não a demonstras. Ah, menina. Minha doce menina. Por que te afliges tanto assim? Já te disse que as dores passam. Sim, elas passam. Estás confusa, eu sei. Tranquiliza-te. Entrega tua alma ao tempo. Deixes que ele a cure. Deixes que ele cuide, também, de teu coração. Disseste-me outrora que ficarias bem. Onde perdeste o brilho de teu olhar? Não chores, pequena. Aquieta-te. Ameniza-te. Seja compassiva. Seja afável contigo. E deixes que eu cuido de ti, minha menina.

— Ameniza-me. Abranda-me. Cuida-me. Não consigo sozinha, não tenho forças. Sim, estou confusa. Sim, eu sinto dor. Preciso chorar... Suaviza-me! Absorva-me e sinta minha dor. Acalenta-me. Restaura-me. Liberta-me! Ajuda-me, ajuda-me... Dá-me colo. E me deixa chorar. Cuida-me. Cuida-me. Cuida-me...

­— Psssssshhhhh adormece, menina. Adormece... E esquece. 

Ela teve tudo de que precisava: um abraço. E adormeceu.