quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Folha em branco

A brisa suave daquela tarde aos poucos se transformava em vento forte, que balançava a cortina do quarto. Uma ameaça de chuva, talvez. A fresta da janela permitia a entrada de uns poucos raios de sol naquele ambiente sombrio e carregado. A escrivaninha empoeirada suportava o peso dos livros, da pilha de papel e dos pensamentos lançados naquela folha em branco. Em branco porque seus dedos não sabiam como recolher os pensamentos espalhados e transformá-los em palavras. E eles se perdiam entremeio a tudo. Entremeio a quase nada. O móvel suportava, ainda, o peso da cabeça da menina, apoiada nas mãos entrelaçadas que cobriam seus olhos e escondiam um olhar perdido, um olhar vago, um olhar para o nada. Talvez seus olhos estivessem cansados de procurar as palavras certas e seus dedos cansados de tentar aprisionar os pensamentos perdidos no meio do nada. A lixeira transbordava de papéis amassados, agora inúteis porque foram incapazes de guardar o que ela pensava, o que ela sentia, o que ela precisava dizer.

A xícara ao lado dos livros guardava o aroma do café quente, que entorpecia a menina. O barulho insistente do ventilador se confundia com a música triste e abafada, compondo uma sinfonia descompassada que mergulhava nos ouvidos da menina e a imergia num mar de águas calmas e repletas de ondas ao mesmo tempo.  Um conflito pacífico que mantinha a menina refém de suas ideias, com as palavras não ditas apertando sua garganta. Ela podia sentir o gosto das lágrimas. O perfume adocicado e inebriante transportava suas lembranças para uma época em que as palavras eram mais fáceis de serem encontradas e ditas. Para uma época em que seu sorriso não era ofuscado pelo seu olhar triste e perdido. Seus olhos agora brilhavam não mais de alegria, mas porque as  lágrimas os inundavam.

A folha em branco sobre a mesa encarava a menina com um tom desafiador. Talvez por isso a menina evitasse olhar diretamente para ela. Sentia-se inapta a aceitar tamanho desafio de colocar no papel as palavras de que precisava para expressar a sua angústia. A angústia de quem estava prestes a tomar uma decisão capaz de mudar o rumo de sua vida pelos próximos meses. Ou anos, talvez. Não suportava o sentimento de impotência. Ela precisava encontrar as palavras capazes de carregar a sua dor, a sua mágoa, a sua agonia e a necessidade que sentia de uma decisão, de uma resposta daquele que havia entrado em sua vida e bagunçado seus sentimentos. A mesma bagunça que adornava, agora, sua escrivaninha. Com uma das mãos, interrompeu o percurso da lágrima em seu rosto. Com a outra, segurou firme na caneta, numa tentativa desesperada de se livrar daquelas palavras que a sufocavam. Talvez aquela folha em branco permanecesse ali por muito tempo encarando a menina, enquanto ela continuava revirando sua mente e despejando pensamentos para que seus dedos os capturassem em palavras. E ela suspirou.

Talvez a menina tivesse uma folha em branco dentro de si, dentro de seu coração. Só precisava de alguém que soubesse encontrar e escrever as palavras certas. Estava farta de rascunhos. 

7 comentários:

  1. Dani (Pode chamar assim?)

    A folha não está em branco dentro da menina. Eu até consigo ler uma porção de palavras doces, uma esperança teimosa e graça, aqui longe que estou.

    Acho que falta só um co-autor para inventar uns sorrisos e um pouco de calor.

    ;)

    Bjo menina sensibilidade.

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  2. Desculpa, mas nesse mundo, tá difícil encontrar alguém que saiba escrever, então a gente vai tentando sobreviver à esses rascunhos mesmo e torcendo pra que um deles, um dia, possa virar papel feito com linhas retas e palavras fortes. Um dia, talvez a gente encontre. Boa sorte.

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  3. Não sei o que é pior, se é o pavor de olhar a folha em branco ou o pavor de ler o que está se escrevendo nela. =(
    =*

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  4. Escrever é sempre perda, é restringir pensamentos e sentimentos enormes às palavras, sempre limitadas. Ainda assim, é a única forma de comunicação possível, e mais vale o mal entendido a dois do que aquilo que é perfeitamente entendido só por um.
    Não sei se a menina precisa de alguém que escreva as palavras certas. Basta alguém que escreva as palavras que forem, mas que esteja junto a ela. Os erros, cometidos juntos, serão acertos.

    Um beijo.

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  5. O móvel exercendo papel coadjuvante, inibe a menina que não consegue organizar suas notas mentais, e logo, não as escreve.
    Mas o texto já existe no caos, sobre a escrivaninha. A ordem das ideias parte desse princípio.

    Poeticamente, um coração partido é possessivo pois guarda todas as mágoas para si. Tentar escrevê-las seria um desperdício já que, o rosto triste aformoseia o espírito.

    Menina Dani, eu desenharia uma poesia na folha de sua menina. Braços que lhe dessem abraços em versos curtos, à tinta nanquim sem sombras.Eu anotaria um beijo, um selo, um sol brilhante amarelando o branco da folha antes que o tempo o faça.

    Forte abraço,

    @Despoesia

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  6. Uma folha em branco que exige uma tinta especial.

    Uma tinta da cor da confiança, por exemplo. Uma tinta fiel. Uma tinta que pense mais em rabiscar palavras sinceras e verdadeiras que uma tinta que apenas rabisque.

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  7. Uma folha em branco é a chance que temos de recomeçar.

    Te admiro muito menina Dani.

    Beijo =*

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