quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Um sorriso paradoxal

O sol brilhava muito naquela tarde sufocante de verão. A leve brisa que tocava sua pele mal balançava seus negros cabelos, esquecidos sobre seu ombro esquerdo. Não havia sinal de chuva e isso tornava o clima pesado, assim como o coração da menina.  Se ao menos tivesse uma promessa de chuva, mas sequer isso ela tinha. Sentada sob  a árvore, observava como a brisa impulsionava as folhas, fazendo-as mover num ritmo lento e despreocupado. Ela podia ouvir o toque do vento nas folhas, que se agitavam e rompiam o silêncio que se instaurara desde que ela havia parado de pensar. Suas pálpebras, agora pesadas e hesitantes, escondiam aos poucos seus doces olhos castanhos. Sua cabeça já não a obedecia e pendeu sobre o ombro direito. E a menina adormeceu.

“Como eu posso parar esses pensamentos?”, pensava a menina alguns dias antes. Seus pensamentos haviam se transformado num instrumento de tortura. E ela não queria mais sofrer. Decidira, então, que não pensaria mais. “Não será fácil, eu sei”. Sim, ela sabia. Tinha consciência de que estava prestes a entrar em um conflito do qual sairia machucada. Mas as cicatrizes que ela trazia na alma doíam bem mais, embora o tempo já houvesse sarado as feridas. Conflito algum poderia lhe atingir mais do que já fora. Respirou fundo, como numa tentativa de convencer a si mesma de que era forte, e não pensou mais.

Mas seria possível não pensar? Mesmo quando pensamos em não pensar, estamos pensando. Confuso, não? Era assim que a menina estava. Tão confusa quanto seus pensamentos, quanto sua história.  Mas aquela menina, que agora estava absorta em um sono leve e inebriante e que parecia ser tão frágil ao ponto de ser chamada assim, “menina”, era mais forte do que ela mesma poderia supor. Sim. Ela havia conseguido se livrar daqueles pensamentos que tanto a perturbavam, que tanto a maltratavam, que tanto a sufocavam à medida que invadiam sua mente. De onde ela havia tirado aquele escudo não sabia. Mas ele havia protegido a menina daquelas ameaças de loucura, daquelas lembranças que inundavam seus olhos de lágrimas, daquele devaneio do qual ela sentia medo. Ela sentia medo de seus pensamentos. Como pode alguém sentir medo dos próprios pensamentos? A menina sentia. E não queria mais sentir. A menina, que talvez não fosse tão menina assim, fora obrigada a crescer, mas conservava em si os mesmos sonhos, os mesmos medos, as mesmas fantasias, os mesmos desejos de quando era menina. Sim. Ela concluiu que poderia ser chamada assim. Menina.

Do alto da árvore, uma folha, incomodada com a oscilação dos galhos, desprendeu-se. Na queda, teve seu rumo alterado pelo vento e tocou o braço da menina, desfalecido sobre suas pernas. Suas pálpebras, ainda extasiadas pelo sono, abriram-se devagar e revelaram um olhar perdido nos limites do tempo e do espaço. E então a menina despertou. Emergiu de um breve mergulho em um mar de calmaria. E suspirou. Estava feliz por não pensar mais. Sentia-se bem por não ser mais golpeada pelas lembranças. Levou a mão até a cabeça e livrou seu rosto dos fios de cabelo que lhe faziam cócegas. Sentiu as batidas de seu coração mais amenas. Sentiu seu coração mais afável. E sorriu. O sorriso mais leve e sincero que já se desenhara em sua boca. Um sorriso doce. Um sorriso leve. Um sorriso meigo. Um sorriso frágil. Embora fosse ainda um sorriso triste.

Um sorriso paradoxal. 

12 comentários:

  1. que texto lindo, moça!

    não pensar acho que é um ideal meio budista, meio de meditação, meio de tudo-o-que-eu-queria-pra-minha-vida.

    mas as coisas mais bonitas da vida, de fato, têm um q de tristeza.

    não é à toa que antes de chorar, nossos olhos brilham.

    eu acho.

    beijos.

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  2. Muito gostoso de ler !
    Tantas vezes o que mais queremos é simplesmente não pensar, não é mesmo? E é exatamente o que você falou, só de pensar em não pensar, já estamos pensando.
    Acredito que uma ótima maneira de ao menos evitar lembranças que tragam sofrimento é ocupar a cabeça. Pode não funcionar integralmente, mas nos poupa de pensar besteiras...
    Conheci teu blog e adorei, estou seguindo.
    Te adicionei na aba "leituras", no canto direito do meu blog.
    Beijos!

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  3. Impecável e reflexivo (por que não dizer autobiográfico?) como sempre. Bjs.

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  4. Sabe, passei por momentos breves, porém muito parecidos com o que essa menina está passando, com intensidade semelhante.

    Às vezes aquilo que você achava que sempre precisou pra ser feliz é justamente aquilo que acaba com você, que te tira da órbita, quebra a sua rotina, põe em risco muito do que você um dia acreditou.

    Mas, por mais dolorosa que toda essa experiência tenha sido, eu me parei para perguntar: se eu não tivesse sentido nada, isso teria realmente feito alguma diferença na minha vida?

    O importante na vida não é cair. É saber se levantar, dar sorrisos paradoxais e não temer a intensidade das experiencias futuras. São as emoções que dão à ela a beleza que tão poucos sabem admirar.

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  5. Ter medo dos próprios pensamentos. Quem nunca? ^^

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  6. Quando palavras tem sabor e são deliciosas de se saborear: seus textos, menina Dani.

    Bjs.

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  7. O título diz tudo, porque apesar de estarmos tristes por dentro, é importante sorrirmos por fora, para as coisas que existem além de nós, assim quem sabe conseguimos transmitir esse sorriso para o nosso interior.
    Lindo texto, parabéns!

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  8. Que surpresa boa Danni, vc escreve muito bem, adorei... Beijos,

    @AndreaLlago

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  9. Dani,
    se vc soubesse como esse texto
    define EXATAMENTE o que aconteceu comigo
    há uns 3 anos...
    Lindo texto, só pra variar!!! ;*

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  10. Em uma época totalmente sem emoção Menina, você consegue poetizar, o que um dia te fez sofrer. Parabéns.

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  11. Pensar, sem focar o pensamento, muitas vezes é a única saida, em mentes confusas e abaladas...

    adorei o texto Danni!

    bjins (Poynt)

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