Os cabelos negros presos desajeitadamente
revelavam uma certa despreocupação. As pernas cruzadas sobre a cadeira
descansavam de um andar apressado e demorado. Estivera agitada naquela manhã.
Andava à procura de algo que mal sabia o que era. E se encontrasse, finalmente?
Não saberia. Talvez estivesse procurando respostas para perguntas nunca
feitas. Até que parou. Viu em filmes antigos, gravados em sua memória, cenas
que não sabia se eram verdadeiras. Pareciam imaginadas. Fictícias. Inventadas por
uma mente obstinada a escrever histórias perfeitas. Perfeitas e, portanto,
irreais. Ficou confusa, mas parou para assistir às cenas. De repente, não
conseguia mais se mover. Estava carregada de dor e de pesar. Sensações que pesavam
demais nos ombros da menina. E ela desabou.
No
colo, um caderno aberto. Rabiscos de letras, nomes, datas, palavras. Muitas frases
soltas em uma folha cheia de palavras vazias.
Nas mãos, a caneta agora
repousava nos dedos exaustos. Dedos que não sabiam escrever a história de sua
própria vida.
No rosto, a expressão de quem não sabe o que sente, de quem não
sabe o que quer. Sentimentos vazios. Desejos indefinidos. E infinitos.
No
olhar, a busca por um ponto de equilíbrio entre o real e o imaginário. Um olhar
perdido nos limites do tempo e do espaço. Perdido nas entrelinhas de uma
história não escrita. Um olhar cansado de ver sempre a mesma história se
repetindo. A mesma história sem sentido. Personagens reais em cenas inventadas?
Ela escrevia roteiros com personagens que não pertenciam ao seu enredo.
Personagens interpretados por atores de outras novelas. E que jamais fariam um
papel em sua vida.
Naquela tarde fria e cinzenta de inverno,
sentada sozinha com seu caderno, uma caneta e seus pensamentos, a menina tentou
juntar letras, palavras, frases. Mas faltava alguma coisa para que tudo se
encaixasse e fizesse sentido. Onde havia perdido as peças que completavam
aquele teatro? Aliás, que peças faltavam?
No
fim, o começo se perdeu no entremeio de histórias paralelas.
Os
olhos cansados começaram a pesar. A folha cheia de vazios foi arrancada e
jogada ao chão com a caneta frustrada por uma história mal escrita e sequer
terminada. Fechou os olhos e adormeceu.
Agora poderia, enfim, ter as cenas com seus personagens preferidos, mas que só podiam atuar em seus sonhos.
Agora poderia, enfim, ter as cenas com seus personagens preferidos, mas que só podiam atuar em seus sonhos.
A
menina era uma lacuna a ser preenchida. Em sua própria história.
Belíssimo texto, como de costume. Que os vazios se completem aos poucos e os problemas fiquem apenas no campo da ficção.
ResponderExcluirPorque essa menina não merece uma história incompleta.
Às vezes as pessoas me perguntam qual é o sentido de gostar tanto de livros e ser tão fascinado em escrever, ler textos. Digo que não saber o sentido é o que me faz amar ainda mais tudo isso.
ResponderExcluirQuando eu vejo minha estante organizada com toda minha coleção de livros eu procuro sempre ajeitá-los e deixa-los unidos, sem brechas ou lacunas nas fileiras. É um prazer ver tudo tão lindo à essa minha mania tão estranha. Quando há vazios, eu procuro sempre sair em busca de um novo livro para preencher aquele espaço.
E esse menina é como esse livro: ela é linda aos olhos das minhas manias e completa exatamente a lacuna que faltava na minha estante.
Mas eu espero que essa minha mania não seja única, que outros que há têm tão próxima não desperdicem esse livro que tem na capa essa graciosa menina que pode preencher sem medo aquele espaço.
Conforme vou lendo o texto fico imaginando os olhos cansados da menina, fico pensando que ela precisa de um pouco de colo, que merece alguns sorrisos que virem histórias completas ou não.
ResponderExcluirAh, ela não merece nada incompleto. Não concordo que ela seja incompleta. Todo esse vazio só mostra quanto ela necessita sentir, sentir alguma coisa. Ainda bem que nem todo mundo se acostuma com a vida simplesmente passando, assim, sem causar emoção ainda que incômodas.
Lindo texto.
E um beijo menina linda.
dizem que duas retas paralelas se encontram no infinito, né.
ResponderExcluiracho que os matemáticos são poetas.....e vc tb!
Céus! Reconheço essas histórias cheias de falta, cheias de buracos que não se preenchem. E, pior, o desconhecimento das peças que se encaixam, o tormento de não saber se elas realmente encaixam mesmo. Sei quando passa pela cabeça que toda a história que você vive seja apenas unilateral. Imaginada.
ResponderExcluirE sei o quanto essa menina é capaz de achar os seus pedaços, que não são inexistentes, estão perdidos apenas. E é natural perdê-los quando se estende ao mundo o pedaço maior. A menina não precisa de histórias completas para ser inteira, sem lacunas, porque ela é a própria história. Sabe o que eu diria para ela? "Só os que verdadeiramente se conhecem, menina, são capazes de assumir as suas lacunas. Todos os outros se dizem completos, mas não é assim para pessoas que sentem a alma ferver até ao ver uma folha cair de sua árvore. E isso é uma quase-verdade, menina. E a graça é tentar encontrar sua história, estamos aqui para escrevê-la. E só se escreve bem quando já conhece todos os tropeços das páginas e quando se imagina personagens que não são bons. E refaz e se refaz. Fica calma, menina. Seu livro será lindo."
Beijo, Dani. Cuide-se.
Só durante a noite, antes de pegar no sono, que eu vejo o MEU mundo, do jeito que EU quero.
ResponderExcluirQuando a realidade vai imitar o sonho?
Dani, que texto mais lindo.
ResponderExcluirAcho que a menina tem razão, somos incompletos. Mas isso não é motivo para não viver. Aliás, é por isso que vivemos, e mais ainda, por isso que escrevemos. Já pensou que chatice se conseguisse organizar toda a vida num texto coerente? Muito melhor palavras soltas, por vezes incoerentes, mas permeadas de sonhos e descobertas por vir.
Minha menina, eu já me senti assim... Já estive inúmeras vezes em um "duelo" contra uma folha em branco da minha agenda. Não por falta de sentimentos para depositá-los ali, mas sim por falta de equilíbrio para organizar as palavras de forma coerente com o que eu estava sentindo. Eu perdia o duelo e a culpa era da confusão que havia dentro de mim. Havia uma bagunça que precisava ser organizada. O problema é que esses "duelos" não acabavam em uma folha amassada e jogada ao chão, eles acabavam numa folha ignorada, meio rabiscada e mal utilizada. Esses "duelos" se transformavam numa página virada e esquecida no passado. Eu ficava frustrada, pois sabia que tinha muito a escrever... Mas passei a respeitar esse meu momento. Entendo que a menina pense ser uma lacuna, mas ela precisa entender que essa lacuna deve ser preenchida por si mesma, antes de continuar a sua história.
ResponderExcluirLinda minha, amei o texto e respondendo ao seu último comentário em meu texto, gostaria que soubesse que estou sentindo a sua falta nos meus dias =/ Esses dias a melancolia me visitou através da música Burn It Down do Linkin Park, me lembrei de ti e de todas as mensagens de carinho que me enviava. Além de ontem ter visto uma notícia sobre a sua cidade Santa Helena no Jornal Nacional que me fez sentir mais saudade ainda. Desejo que você fique bem minha pequena. E que nunca se esqueça que eu rezo por ti toda noite antes de dormir ;). Cuida-te linda minha. Beijo grande ;*
Em algum momento da vida, haverá o dia em que você perceberá uma lacuna na sua história. Todos são assim... Virei todas as noites me afagar nas suas palavras.
ResponderExcluirBeijo da Jujuba =*
Você coloca seus pontos de interrogação na porta de todos que querem te ler.
ResponderExcluirEles estão ali, entre os cabelos presos, entre as ações desajeitadas.
Estão entre o cansaço de encontrar as palavras certas para formar o incerto. Preencher lacunas, não?
Talvez seja mais do que isso.
A caneta não soube ficar muito tempo nas mãos pois sua imaginação é muito veloz. E ainda que as melhores palavras tenham ficado no papel, você sabe que o paraíso está no que não disse, no que não conseguiu se petrificar e paracer paupável.
Mais um motivo para ler sempre o que vier da caneta que, quando não abandonada, define os melhores dos seus dias.