Acordara
antes que o despertador tocasse naquela manhã preguiçosa de domingo. Não havia
dormido muito bem, sentia-se inquieta. Sentou-se na cama e ouviu o barulho da
chuva. Vestiu o roupão branco de cetim e caminhou até a janela aberta. Queria sentir
a chuva. O vento frio fazia sua pele arrepiar e bagunçava — ainda mais — os seus
cabelos. Passou as mãos na cabeça e se virou para o espelho, não queria se
sentir feia — por fora.
Encarou
o espelho e encontrou-se perdida na própria imagem. Ao alto, viu seus cabelos soltos,
porém sem vida. Na testa, as marcas do tempo e do estresse haviam se tornado mais
visíveis nos últimos tempos. Procurou em seus lábios lembranças de sorrisos
outrora sempre presentes. Buscou neles resquícios de palavras doces agora tão
escassas, mas sentiu apenas um gosto amargo. “Seria esse o gosto do
arrependimento?”, pensou enquanto contornava a boca com os dedos frios. Ergueu os
olhos e se procurou no fundo do seu olhar. Abaixou a mão e suspirou. Encarou-se
receosamente e acompanhou o caminho que uma lágrima traçava em seu rosto, até que
ela se evanesceu. Seu olhar era de cicatrizes. E elas ainda doíam. Afastou-se
do espelho e sentou na cadeira perto da janela. As lágrimas caíam pelo seu rosto como a chuva caía lá fora. Poderia ficar horas ali sentada, observando a chuva e se
distraindo com o barulho que ela fazia ao tocar as folhas da pitangueira. A
água compunha uma sinfonia calma que a afastava de seus mais sombrios
pensamentos. Ah, aquelas cicatrizes... Foi horrível sentir de novo aquelas
dores. Mas, cicatrizes não deveriam doer. Por que doíam, então? Por que o gosto
deixado pelas palavras dantes doces era tão amargo? Por que tudo tão estranho,
tudo tão errado?
Seu olhar era de saudade.
Seu olhar era de saudade.
Fechou
os olhos e mergulhou em si. Desistiu de entender, desistiu de controlar aqueles
pensamentos. Deixou que as dores viessem à tona e abrissem de vez aquelas
cicatrizes em seu olhar. Sentiu suas lembranças se amargarem pelo tempo e
chorou. Chorou de soluçar. Chorou mais do que chorava o céu naquela manhã de
domingo. Chorou até enfraquecer. Chorava, mas não sabia ao certo o porquê.
Com
esforço, levantou-se e se apoiou na janela do quarto vazio. Envolveu-se com os
braços na tentativa de encontrar algum alento, alguma segurança. Mas ela só
tinha a si. Tinha também os seus pensamentos, aliás. Mas tinha medo de ficar a sós
com eles. Não queria mais ficar. Não queria mais sentir. Não queria mais ser.
Olhou
fixamente para o céu e — embebida em pranto e agarrada à solidão — jogou-se na
cama e caiu naquele abismo que havia dentro de si. A chuva vigiaria seu sono enquanto ambos durassem. Quisera
ela que chovesse para sempre.
Ainda não aprendi a ler suas palavras em terceira pessoa sem te imaginar dentro delas, minha menina. Talvez porque isso não seja possível. Acho que sempre teremos um dia desses: em que acordamos com uma grande angústia traduzida em lágrimas, aparentemente sem motivo. Nossas cicatrizes, em algum momento, se deixam mostrar. E ficamos entregues a dor. Espero que tudo fique bem o mais breve possível, espero que essas cicatrizes desapareçam e que a angústia que sentes se dissipe. Espero que chova em você e na sua alma. E que tudo seja passível de recomeço. Te quero bem, menina minha. Cuide-se. Beijos ;*
ResponderExcluirMeu Deus! Medo de ficar com os próprios pensamentos... atualmente é um dos meus maiores medos. Pensar me dói. E como diz no texto, choro, choro, choro... Minhas lágrimas acabariam com a seca aqui do Nordeste. Assim como a moça do texto, também não quero mais sentir. Espero que esse dia chegue logo.
ResponderExcluirLindo texto!
Beijos
Mar
Simplesmente, estou sem palavras. Teu texto tocou-me de tal foma, que me senti ali, sendo aquela mulher parada olhando a chuva.
ResponderExcluir"Olhou fixamente para o céu e - embebida em pranto e agarrada à solidão - jogou-se na cama e caiu naquele abismo que havia dentro de si. A chuva vigiaria seu sono enquanto ambos durassem. Quisera que ela chovesse para sempre."
Encantei-me com tuas palavras moça. (:
Um abraço.
Que bom que é ler e sentir chover, Daniela. Suas palavras sempre chovem em mim.
ResponderExcluirLindo texto, adoro ler você!