segunda-feira, 10 de setembro de 2012

De chuva e de pranto


Exatos sessenta e dois dias sem chuva: ela riscara e contara em seu calendário. Não suportava mais tanta sequidão. Do clima e das pessoas. Aquela tarde úmida de setembro estava carregada demais e ela já sabia: finalmente poderia lavar sua alma com a chuva. Desde cedo o céu se preparava para o mais sublime dos fenômenos. O sol tímido assistia a todo o ensaio por detrás das nuvens. Ela observava o dia com uma agonia indescritível. Via-se de longe que ela precisava de uma renovação. O ar pesado e úmido enchia-lhe os pulmões e a fazia cansar. Respirar se tornava algo cada vez mais difícil. Não só por causa do clima. E a menina podia sentir que a tempestade se aproximava.

Sentada na janela do seu quarto, ouviu as primeiras gotas de chuva tocarem o telhado, compondo uma sinfonia que somente ela podia escutar. Durante um tempo, dedicou-se apenas a ouvir aquele som que há muito não embalava seus momentos de calmaria. Fechou os olhos e respirou fundo. Tentou buscar dentro de si tudo aquilo que precisava ser renovado. Queria expor-se às gotas que caíam num ritmo cada vez mais acelerado. Estendeu a mão e as alcançou. Sentiu molhar os dedos, a mão. Arrepiou-se quando uma gota sorrateiramente escorreu-lhe pelo braço. E sorriu.

Abriu os olhos e percebeu que não havia conseguido entregar sua alma à purificação trazida pelas gotas do céu. Havia algo de errado. Isso sempre funcionara... Não entendia por que não era capaz de se libertar, de deixar fluir para o chão todas as coisas ruins que trazia dentro de si. Queria entender por que a água, dessa vez, não a lavava por dentro também. Sentia-se presa em um sentimento ruim. Tinha pensamentos estranhos e queria que a chuva os carregasse para a terra e os enterrasse para que ela pudesse ter paz. Precisava se livrar daquilo que a sufocava. Mas não conseguia. A água estava fria. Ela estava fria. E o sorriso se desfez.

Houve um tempo em que a chuva lavava tudo, por dentro e por fora. Houve um tempo em que o toque frio fazia arrepiar seu corpo quente. Houve um tempo em que o sorriso não se perdia em seus lábios. Houve um tempo em que dias chuvosos lhe traziam alegria, e não ainda mais pesar. Houve um tempo em que ela conseguia se expor à libertação trazida pela chuva. Houve um tempo em que ela não chorava como faz o céu em dias escuros. Houve um tempo em que ela não se sentia sempre tão presa, sempre tão incompleta, sempre tão fria, sempre tão... vazia. Houve um tempo em que as tardes cinzas lhe traziam paz. Em que ela se sentia em paz. Mas há tempo que ela perdeu tudo. Há um tempo que ela perdeu a sua paz. Há tempo que ela se perdera no tempo perdido dentro de si. Eram tantas perdas que ela tinha dúvidas sobre seu reencontro consigo mesma. 

De repente, o dia se pintou de cinza e a tarde se fez noite.

Os relâmpagos riscavam de laranja a negridão do céu. Os trovões ecoavam nos pensamentos vazios da menina. A chuva continuava a descer compassada e melodicamente. A escuridão dominava o cenário daquele drama de um dia sombrio. Com um impulso, desceu da janela e permaneceu imóvel sob a imensidão do céu. 

E a menina se encharcou de chuva e de pranto. 

2 comentários:

  1. =,( Dói saber que a menina se encharcou de pranto. A chuva que antes lavava a sua alma, não tem mais o mesmo poder? Fiquei confusa querida menina. Fiquei triste ao saber do vazio que carrega dentro de si. Posso dizer que sei como você se sente. Infelizmente, eu sei. Acho que já disse alguma vez que o vazio dói mais do que a própria dor. Descobri isso da pior maneira possível. Fui ingênua ao pensar que não sentir nada era melhor do que sofrer. Foi então que eu percebi que sofrendo eu me sentia viva. A dor fazia com que eu sentisse o meu coração. Mas quando o vazio se apossou de mim, eu não pude sentir mais nada. Eu estava anestesiada. Não havia qualquer sentimento dentro de mim. Foi então que eu me entreguei ao silêncio do meu ser... Esse vazio me machucou por meses, mas passou. E sabe como? Dediquei os meus sorrisos, abraços, beijos e palavras a parentes, amigos e animais de estimação. Por vezes dediquei meus dias a mim mesma. Por vezes fiquei inerte em mim. Eu ouvia músicas, chorava quando queria e escrevia quando o silêncio me sufocava. Ajudou muito. Ajudou a me (re)encontrar. E principalmente, me ajudou a recomeçar.
    Espero que isso aconteça contigo também. Espero que a chuva volte a lavar a sua alma. Espero que você se encontre novamente. Estarei torcendo por isso linda minha.
    Cuida-te minha pequena.
    Eu já estava com saudade dos seus escritos.
    Beijo grande ;*

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  2. Sessenta e dois? Aqui tá indo pro setenta e dois!
    NADA, NOTHING, NIENTE!
    BTW... lindo texto (like ever). :P

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