quinta-feira, 19 de abril de 2012

Em cada anoitecer

Aquela tarde caía como uma folha desprendida do topo da árvore, que fica à mercê do vento e se destina à queda. Rodopiando no ar, de um lado para o outro. Lentamente. Serenamente. Nada pode interromper seu percurso. Nada cessa seu cair. Exceto o chão. Ali pararia para sempre. Mesmo que esse sempre fosse o tempo suficiente para se decompor. Assim era o dia, que só parava de cair com a chegada da noite.

O céu escurecia aos poucos. O silêncio instaurado era quase sepulcral, invadido apenas pelo balançar dos galhos da árvore.  Um dia sufocante. Quente. Exaustivo. Clima pesado. Um dia arrastado, que a arrastava consigo.

As réstias do sol encontravam um rosto perdido na penumbra do quarto. Os dedos entrelaçados num aperto de mão meio solto, meio apertado. Debruçada na janela, a menina observava o sol já agonizante em seu leito de morte. Uma breve morte, aliás. Todos os dias eram assim. O sol nascia, o dia se arrastava, o entardecer sepultava o sol e a noite absorvia o dia na plenitude de sua escuridão. Todos os dias. Todos.

Ela se lembrou do “até algum dia” que lhe disseram. As palavras ecoaram na lembrança da menina. Fechou os olhos e abaixou a cabeça. Ah, algum dia... Quando? Em breve, talvez. Nunca, quem sabe. E ela pensou que a cada algum dia que se passava, sua esperança morria um pouco. E mais um pouco. E mais um pouco. E mais um pouco... Até restar nada. Isso a deixava feliz, aliviada. Uma esperança que agoniza é mais dolorosa do que uma esperança que morre de vez.

Levantou a cabeça e olhou fixamente para o horizonte. O céu, em todo o seu esplendor azul manchado de laranja, lentamente era tingido pela imensidão da noite. O rosto da menina, agora no escuro, carregava um sorriso de alívio. Os olhos apertados deixaram escapar uma lágrima. Sinal de luto pela morte do sol, de pesar pela morte da esperança. Mas um sinal de alegria pela libertação de sua alma.

A menina pensou que aquele ritual de nascer e morrer todos os dias era o mais sublime e perfeito que já vira. No fundo, com ela acontecia o mesmo.

Talvez ela fosse como o sol, que precisa nascer e morrer todos os dias.

Em cada amanhecer, uma esperança que nasce. Em cada fim de tarde, uma ilusão perdida. Em cada anoitecer, a chance de um renascimento.

E a menina foi engolida pela escuridão do quarto inerte e vazio. Outra vez.  

4 comentários:

  1. Enfim a menina nao está mais tão triste, e agora sabe que deve ser como o Sol, nascer e morrer todos os dias. Mas, ainda assim restam dúvidas: É assim mesmo que deve ser?! Isso será bom?!
    Isso só o tempo poderá dizer!

    Ótimo texto Dani!!
    Parabéns!!

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  2. Prefiro o pôr do sol ao nascer.
    Perfeita descrição dos meus dias.
    Mesmo sendo dolorido, é bom saber que anda mais aliviada, deixa a alma menos pesada.
    ;*

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  3. Já eu, adoro o "fim de tarde". Perder ilusões é bom, pena que sempre as encontramos depois.
    Essa escuridão inerte e vazia as vezes vem me visitar. Eu aprendi a gostar dessa visita. Pelo menos não fico sozinha...
    Esplêndido menina Daniela.
    Beijos
    Sah


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    @raasck
    ~

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  4. Seus textos lindos como sempre ♥

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