Espero
que você entenda o que eu quis dizer com todas as palavras que calei.
Uso
o silêncio como fuga porque vivo cercada por palavras e me cansei de ser presa
pelo som da sua voz. Decidi me libertar. Minhas palavras não serão mais suas
porque as suas palavras nunca foram minhas.
Falei
em vão. Ficarei em silêncio, então. A falta de palavras é nada para quem já vive
cheia de ausências. Farei desse silêncio o meu refúgio porque já não caibo na
imensidão de tudo aquilo que não disse. Preciso me esvaziar de tanto vazio.
Mas
eu escrevo. Escrevo para fugir de mim. Escrevo para não sufocar. Escrevo para
aliviar os excessos que trago em toda essa ausência. Escrevo para tirar de mim todas
essas palavras guardadas que agora ecoam no meu silêncio. E só.
E
as palavras ecoam e escoam e se perdem no vazio deixado pela sua voz.
O problema é que as palavras não ditas também magoam. Mas eu já me acostumei a trocar silêncios com você.
Hoje
foi a última vez que vi seus olhos. E isso é estranho, porque ainda me lembro
da primeira vez que me perdi neles e desejei que se eternizassem no meu olhar.
Mas ontem, quando me abraçou, busquei em seus olhos negros encontrar o brilho
dos meus. Não encontrei. Fiquei perdida no vazio do seu olhar. Um olhar que fez
estremecer até minha alma. Tive a impressão de que estava se afastando de mim. E você desviou o olhar do meu. Foi então que
suas palavras me atingiram com um golpe que me levou ao chão. Fiquei sentada
enquanto elas ecoavam no silêncio do seu olhar fixo em algum lugar distante de
mim. “Nada mais é eterno. O amor, a amizade. Adeus”.E isso doeu.
É
uma tarde sufocante de setembro. Sufocada pelo calor e eu sendo sufocada pelas
palavras que não pude dizer. Antes de partir, perguntei se por acaso se
lembrava de setembro. “No meio de setembro, nós ainda brincávamos na chuva...”,
ele disse. Sim, ele se lembrava de nossa infância. O amor, a amizade. Fechei os
olhos e as lágrimas se encarregaram de lavar todas as lembranças. O eterno se
perdeu quando me perdi do seu olhar. Acho que o eterno se desfez em lágrimas.
Fiquei
encostada na porta enquanto suspirava ao vê-lo se afastar. Sentei e abracei-me.
Confesso que não entendi o porquê de seu afastamento, mas deixei que fosse. Perdi
meu lugar seguro. Você levou a minha paz. E deixou a saudade. Você levou mais
do que deixou e isso não é justo.
Mas,
tudo bem. Pode ir. Vá e me deixe aqui com o tempo. Eu só preciso me acostumar
com a sua ausência. Eu só preciso aceitar que o eterno já não existe para nós.
Preciso entender que já não existe nós.
Vou guardar as lembranças de tudo o que foi e de tudo o que poderia ter sido.
Vou ficar com a saudade do que vivemos e de tudo o que nunca aconteceu. E não,
não olhe para trás. Não me olhe com esses olhos em que me vi durante tanto
tempo. As esperanças não são boa companhia para a saudade.
Agora
vejo, cada vez mais longe, o menino dos olhos negros. Agora sinto, cada vez
mais dentro, o vazio que deixou. Agora ouço, cada vez mais sussurrada, a voz
que dizia que me amava. Agora, já não sei de nada. Agora, já não sou.
Mas
voltarei a ser. Vou me encontrar de novo. Dessa vez, no meu próprio olhar.
E o eterno se perdeu no meio de setembro.
*Este "adeus" pertence a Laís Oliveira (@LaisOpS). Ela me emprestou a história, que também é um pouco minha, para que eu lhe desse as palavras.
Exatos sessenta
e dois dias sem chuva: ela riscara e contara em seu calendário. Não suportava
mais tanta sequidão. Do clima e das pessoas. Aquela tarde úmida de setembro
estava carregada demais e ela já sabia: finalmente poderia lavar sua alma com a
chuva. Desde cedo o céu se preparava para o mais sublime dos fenômenos. O sol
tímido assistia a todo o ensaio por detrás das nuvens. Ela observava o dia com uma
agonia indescritível. Via-se de longe que ela precisava de uma renovação. O ar
pesado e úmido enchia-lhe os pulmões e a fazia cansar. Respirar se tornava algo
cada vez mais difícil. Não só por causa do clima. E a menina podia sentir que a
tempestade se aproximava.
Sentada na
janela do seu quarto, ouviu as primeiras gotas de chuva tocarem o telhado,
compondo uma sinfonia que somente ela podia escutar. Durante um tempo,
dedicou-se apenas a ouvir aquele som que há muito não embalava seus momentos de
calmaria. Fechou os olhos e respirou fundo. Tentou buscar dentro de si tudo
aquilo que precisava ser renovado. Queria expor-se às gotas que caíam num ritmo
cada vez mais acelerado. Estendeu a mão e as alcançou. Sentiu molhar os dedos,
a mão. Arrepiou-se quando uma gota sorrateiramente escorreu-lhe pelo braço. E
sorriu.
Abriu os olhos e
percebeu que não havia conseguido entregar sua alma à purificação trazida pelas
gotas do céu. Havia algo de errado. Isso sempre funcionara... Não entendia por
que não era capaz de se libertar, de deixar fluir para o chão todas as coisas
ruins que trazia dentro de si. Queria entender por que a água, dessa vez, não a
lavava por dentro também. Sentia-se presa em um sentimento ruim. Tinha pensamentos
estranhos e queria que a chuva os carregasse para a terra e os enterrasse para
que ela pudesse ter paz. Precisava se livrar daquilo que a sufocava. Mas não
conseguia. A água estava fria. Ela
estava fria. E o sorriso se desfez.
Houve um tempo
em que a chuva lavava tudo, por dentro e por fora. Houve um tempo em que o
toque frio fazia arrepiar seu corpo quente. Houve um tempo em que o sorriso não
se perdia em seus lábios. Houve um tempo em que dias chuvosos lhe traziam
alegria, e não ainda mais pesar. Houve um tempo em que ela conseguia se expor à
libertação trazida pela chuva. Houve um tempo em que ela não chorava como faz o
céu em dias escuros. Houve um tempo em que ela não se sentia sempre tão presa,
sempre tão incompleta, sempre tão fria, sempre tão... vazia. Houve um tempo em
que as tardes cinzas lhe traziam paz. Em que ela se sentia em paz. Mas há tempo
que ela perdeu tudo. Há um tempo que ela perdeu a sua paz. Há tempo que ela se
perdera no tempo perdido dentro de si. Eram tantas perdas que ela tinha dúvidas sobre seu reencontro consigo mesma.
De repente, o
dia se pintou de cinza e a tarde se fez noite.
Os relâmpagos
riscavam de laranja a negridão do céu. Os trovões ecoavam nos pensamentos vazios
da menina. A chuva continuava a descer compassada e melodicamente. A escuridão dominava
o cenário daquele drama de um dia sombrio. Com um impulso, desceu da janela e
permaneceu imóvel sob a imensidão do céu. E a menina se encharcou de chuva e de
pranto.